segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

Histeria: o filme

Recentemente, Namorido e eu decidimos sair da rotina trabalho - casa e decidimos ir ver algum filme decente em cartaz. Para minha surpresa Namorido escolheu um filme muito diferente dos seus padrões de qualidade: inglês, comédia, romance e com um tema muito próximo da minha área de pesquisa, a história da psiquiatria.

Antes de continuar peciso fazer uns adendos.
Primeiro: Namorido possui um gosto muito peculiar para filmes. Odeia filmes norte-americanos, não é fã de comédias, não gosta de grandes produções. Ele é cult. Isto é, fico restrita à filmes cabeças, filosóficos e mega complexos. Não é que não goste, mas preciso, de vez em quando, assistir coisas mais amenas. Para se ter um ideia em nosso primeiro filme juntos eu dormi. Ronquei, babei, dormi muito. Adoro músicas e diálogos, o filme em questão não tinha nada disso; Segundo: ele prefere filmes que retratem a realidade nua e crua da sociedade (seja ela qual for), eu adoro musicais, fábulas, filmes antigos e mudos. De tudo isso podemos dizer que Namorido e eu temos incompatibilidades cinematográficas.
No dia em questão, tal escolha de Namorido me surpreendeu. Para além das diferenças de gostos, ele odeia minha área de pesquisa, acha extremamente macabro estudar casos psiquiátricos. Enfim, fomos ver o tal filme, ele um tanto empolgado e eu com a pulga atrás da orelha.
Foi um bom programa! Por incrível que pareça nos divertimos muito!
Histeria é uma comédia romântica com um tema pra lá de inusitado, o surgimento do vibrador na Londres do século XIX. Em meio às inovações tecnológicas, como trens, telefones e lâmpadas, eis que surge o vibrador, como um terapia médica. De um lado temos a mocinha, uma mulher feminista, filha de um pai conservador e médico, que trilha seu próprio caminho, acredita no voto feminino e participação social da mulher, em outras palavras, uma feminista "exaltada", do outro, o mocinho, um jovem médico, adepto da teoria dos germes, descontente com a prática médica, desempregado, cujo único emprego que consegue consiste em "pressionar os úteros da mulheres com os dedos". O enredo de comédia romântica foi bem clichê: mocinho conhece mocinha, mocinha não se dá bem mocinho, mocinho vê o outro lado da mocinha e ficam juntos no final. Mas o que realmente chama a atenção e prende o espectador é a "cientificidade" da criação do vibrador.



Hoje, o tal aparelhinho, está envolto em pensamentos completamente diferentes daquela época. Antes era um terapia médica para os casos de histeria, uma doença psiquiátrica (hoje abolida da classificação diagnóstica) que era comumente associada ao órgãos sexuais femininos. Acreditava-se que a mulher sendo biológicamente inferior ao homem, era controlada pelos seus órgãos sexuais, no caso o útero. Daí surgiram inúmeros diagnósticos que relacionavam a doença mental ao mau funcionamento do útero, como por exemplo a loucura puerperal, que acometia mulheres no pós-parto, e histeria que era utilizada para casos de comportamentos fora do padrão mãe-esposa. Não que a histeria fosse um diagnóstico feminino, ela não era, mas na sua prática, nos idos de 1850 e 1900, no Brasil e no mundo, havia grande número de mulheres consideradas histéricas.
Para o tratamento da histeria utilizava-se várias técnicas: choque elétrico, jatos d'água nas partes sexuais e a manipulação manual (massagem tântrica). Bem, a histeria era um doença incurável, o que significava que era preciso passar pelos tratamentos diversas vezes. Então, encontramos nosso mocinho, desesperado, com dores nas mãos de tanto "tratar" as pacientes.
Como tratamento médico, o vibrador era realmente milagroso. Ao fazer as pacientes atingirem, rapidamente,   o paradoxismo (o nome dado ao orgasmo na época), o aparelho livrava os médicos de diversos desconfortos da manipulação manual. Câimbras e tendinetes nos dedos e mãos dos médicos eram os inconvenientes dessa forma de tratamento.
Uma cena chama a atenção: Os médicos e o desenvolvedor do aparelho aparecem prestes a introduzir o vibrador na paciente vestidos como verdadeiros cientistas. Era uma experiência científica. Claro que a cena foi hilária, principalmente porque a dita paciente era cantora de ópera. Mas da experiência científica parte-se para a abordagem da liberdade sexual feminina com a difusão do tal aparelhinho. É verdade, vendido discretamente como um utensílio comum à vida feminina, o vibrador permitiu a milhares de mulheres explorarem o próprio corpo e a sentir prazer, muitas vezes negado no ato sexual com seus maridos. 

Cena do filme Hysteria.

Propagandas de vibradores

A massagem tântrica

Imagens retiradas do blog: http://ciadoser.blogspot.com.br/

O vibrador foi sim um elemento importante para a liberdade sexual feminina, mas não tanto quanto a pílula anticoncepcional. Antes era um método clínico contra a histeria, hoje é associado ao prazer e erotismo. Sua história é importante para percebermos o quanto um objeto pode ganhar significados diferentes em diversos contextos.






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